A Zurich Airport Internacional venceu o leilão de relicitação do aeroporto de São Gonçalo do Amarante, no Rio Grande do Norte, com lance de R$ 320.000.012,00, ágio de 41% em relação ao valor mínimo de outorga estabelecido pelo edital. A Zurich venceu a concorrente XP Asset, por uma diferença de R$ 1.

A Zurich esteve ausente nas últimas licitações do segmento de aeroportos, mas já opera quatro terminais no país: os aeroportos de Florianópolis (SC), Macaé (RJ) e Vitória (ES), além do aeroporto de Confins (MG), em parceria com a CCR.

Como previsto por especialistas, o leilão teve baixa concorrência com apenas dois interessados, mas acabou sendo decidido no viva-voz com 13 lances. O valor ofertado pela XP, que entrou na disputa com o nome de NK 30 Empreendimentos e Participação, foi de R$ 320.000.011,00.

Terminal VIP do aeroporto de Guarulhos

Projeto do terminal VIP de Guarulhos é assinado pelo arquiteto e designer Carlos Rossi — Foto: Divulgação

Ela teria que aumentar seu próximo lance em, no mínimo, R$ 5 milhões, mas acabou desistindo da disputa. A XP Asset estreou no segmento de aeroportos ao vencer a licitação para operar os aerportos de Campos de Marte, em SP, e Jacarepaguá, no Rio, no ano passado.

Tobias Markert, diretor da Zurich América Latina, disse o novo aeroporto cai bem ao portfolio da empresa no país. Ele destacou o potencial turístico do Rio Grande do Norte, mas disse que o estado também tem energias renováveis e agricultura. Markert disse que Brasil e índia são mercados prioriários para investimento da companhia.

O executivo afirmou que o pagamento da outorga será feito com caixa da empresa, uma linha de empréstimo com um banco no Brasil e que a empresa não pretende usar precatórios.

Sem uso de precatórios

O uso de precatórios no pagamento de outorgas de aeroportos está sendo reavaliado pelo governo e, segundo especialistas, traz insegurança jurídica.

— A boa notícia é que não vamos usar precatórios. Vamos usar caixa da Zurich e estamos negociando uma linha de empréstimo com um banco brasileiro. Queremos usar a experiência que temos nos aeroportos que já operamos no Brasil e no exterior — disse antes de bater o martelo após a vitória.

O ministro dos Portos e Aeroportos Marcio França afirmou que por ser o primeiro leilão de relicitação é normal que hajam dificuldades no caminho. França disse que o presidente Lula pediu agilidade no processo porque o assunto o estava incomodando. Ele afirmou que, menos que o valor de outorga ofertada ou de ágio, o importante é que seja entregue um serviço de qualidade.

Aeroporto de São Gonçalo do Amarante: primeira desde o início das concessões — Foto: Divulgação

— O TCU agilizou o processo permitindo fazer este leilão ainda no primeiro semestre. A experiência da Zurich dá tranquilidade e temos certeza que a empresa já fará alterações para o próximo verão —afirmou.

França afirmou que o leilão reforça um começo de governo em que é possível fazer parcerias entre o setor público e o privado, respeitando a autoridade das coisas públicas, quem foi eleito e a população que o elegeu.

— É possível conviver com diversas oportunidades entre empresas públicas e privadas. Sabemos que essas relações podem ser feitas quando há modelagem correta e gente competente para operar —disse o ministro.

Governo terá de cobrir diferença de R$ 230 milhões

O governo terá que cobrir a diferença entre o valor da indenização à Infraamérica, concessionária que desistiu de operar São Gonçalo. O valor estabelecido pela Anac para a indenização foi de R$ 550 milhões e o lance vencedor de R$ 320 milhões, portanto uma diferença de R$ 230 milhões.

Tiago Souza Pereira, diretor da Anac, agradeceu o trabalho da Inframérica, consórcio que devolveu o terminal, e a colaboração em todas a instâncias. O grupo vai cotinuar operando o terminal até a transição.

— Essa postura colaborativa é o que a gente espera das operadoras — disse.

Mas o cálculo está passando por uma auditoria independente. A Inframérica informou que não vai se manifestar sobre a questão antes do resultado final.

França disse que o reembolso da indenização será feito pela Zurich diretamente à Inframérica

Primeira relicitação

O aeroporto potiguar foi relicitado na manhã desta sexta-feira na B3, em São Paulo. Foi o primeiro leilão de relicitação, desde a criação da lei, em 2017, que permite que uma concessão seja devolvida e relicitada. Também foi o primeiro leilão de concessão do governo Lula.

A relicitação é um das soluções na mesa para o Galeão, o aeroporto internacional carioca, que enfrenta dificuldades para manter a concessão. A Changi, acionista majoritária da RIOgaleão, chegou a assinar o termo de adesão à relicitação em novembro.

Em fevereiro deste ano, no entanto, a operadora disse que tinha a intenção de continuar operando. Governo federal e concessionária negociam um acordo.

O aeroporto de São Gonçalo foi o primeiro do Brasil a ser concedido à iniciativa privada, em 2011, quando começaram as rodadas de concessão de aeroportos no Brasil. O terminal foi arrematado por R$ 170 milhões à época – um ágio de mais de 220% em relação ao valor mínimo – pelo consórcio Inframérica, formado por Engevix e pelo grupo argentino Corporación America.

Mas acabou sendo devolvido amigavelmente ao governo federal em 2020, porque as previsões de movimento de passageiros do edital não se confirmaram. A recessão de 2014-2016 e a pandemia contribuíram para o baixo fluxo no terminal.

No edital, a estimativa era de um movimento anual de 4,3 milhões de passageiros, em 2019, mas na prática, esse fluxo nunca passou de 2 milhões. A capacidade total do terminal é de 6 milhões de passageiros/ano.

Investimento de R$ 309 milhões em 30 anos

O leilão de relicitação teve como critério o maior valor de outorga inicial. O valor mínimo foi fixado em R$ 227 milhões. O contrato de concessão, que tem duração de 30 anos, prevê R$ 308,9 milhões de investimento em obras.

Especialistas já avaliavam que o certame teria pouca concorrência e não esperavam surpresas entre os interessados, como um novo player internacional que ainda não esteja no país. Para Felipe Bonsenso, advogado especialista em direito aeronáutico, o leilão seria mais atrativo para um operador que já está no país.

Como Natal historicamente é um aeroporto de entrada para o Brasil, Bonsenso vê possibilidades do terminal ser utilizado para a distribuicão de capacidade e expansao de malhas aéreas entre Brasil e Europa/África.

—Acredito na possibilidade de sinergias entre o aeroporto de Belo Horizonte, operado pela Zurich, e Natal na consolidação de dois hubs (centros de distribuicao de voos) em rotas internacionais, como ocorre em Fortaleza por exemplo — afirmou.

O advogado lembra que os principais investimentos no terminal já estão consolidados. A Inframérica ergueu o terminal de passageiros (com 42 mil metros quadrados de área), fez o pátio de aeronaves e os acessos à pista, que foi construída com recursos públicos.

A concessionária estima ter investido R$ 700 milhões, mas a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) estabeleceu a indenização em R$ 550 milhões.

O aeroporto de São Gonçalo do Amarante não se transformou num hub internacional como se esperava. Ele fica a 30 quilômetros de Natal, capital do estado, e está a 18 quilômetros do Porto de Natal, capital do Rio Grande do Norte. Também fica próximo a estradas que fazem ligação a outras capitais do Nordeste, como João Pessoa (PB) e Recife (PE).

Para o advogado Felipe Bonsenso, um interesse maior pelo terminal só se justificaria se aumentassem os voos internacionais.

— O leilão chama mais a atenção por ser a primeira relicitação — afirmou.

O advogado Fernando Vernalha, do escritório Vernalha Pereira, o leilão eguiu como o esperado, embora o lance vencedor não seja suficientepara quitar a indenização. Ele lembra que o valor de outorga só será pago depois que a União depositar sua parte.

— Isso funcionará como uma garantia para o futuro concessionário – afirma.

Solução para o Galeão?

Para Marcus Quintella, diretor da FGV Transportes, as empresas se baseiam no estudo de demanda.

— Qualquer modelagem tem como base a demanda área de passageiros e de carga. E com isso, levando em conta os investimentos e as outorgas, as empresas determinam o quanto pode dar de lance. E o Galeão, caso a concessão seja devolvida, vai passar pelo mesmo processo.

Segundo ele, caso ocorra um novo leilão com o Galeão,os investidores deverão levar em conta ainda as condições socieconômicas e de segurança no Rio para entender como poderá ocorrer a volta da demanda no aeroporto internacional do Rio.

Quintella lembra que hoje o Galeão, entre os dez maiores aeroportos do país, é o únco que está em 42% do que movimentava em 2019.

— Está clara que a derrocada do Galeão está ligada a renda média do trabalhador, o turismo, a falta de negócios na cidade e a insegurança pública.

Mas o sucesso de um eventual leilão do Galeão vai depender de como será o edital, já que os investimentos principais já foram feitos.

— Vai ter que ver como será a modelagem, se vai ter ou não participação da Infraero. Mas o mais importante é o estudo de demanda de passageiros e de carga – afirma Quintella.

Claudio Frischtak,da Inter.B Consultoria, o resultado do leilão do aeroporto do Rio Grande do Norte pode ser considerado um sucesso:

– Apesar dos ruídos da economia, o leilão mostrou que o mercado brasileiro tem condições e potencial para atrair investidores. Foi um bom sinal, pois havia o temor que fosse um leilão vazio.

Segundo Frischtak, o resultado pode servir de orientação para uma possível relicitação do Galeão, que tem especificidades.

– Terão que ser feitos novos estudos de demanda. E se o Galeão for relicitado terá que ser feito em conjunto coom o Santos Dumont, permitindo que seja gerado valor para todos.

Mudança de regras em uso de precatórios

A relicitação do aeroporto de São Gonçalo do Amarante acontece em meio a discussões de novas regras para uso de precatórios no pagamento de outorgas nas concessões de aeroportos. A Advocacia Geral da União deve publicar regras mais rígidas para uso desses títulos, exigindo por exemplo uso de garantias.

O uso de precatórios em acerto de conta com a União foi incluído na Constituição Federal no final de 2021, de forma autoaplicável. Ou seja, pode ser pleiteada pelo credor sem necessidade de lei, mas há resistência por parte do governo do PT, inclusive do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Em março, o advogado-geral da União, Jorge Messias, revogou portaria editada no governo anterior que ditava os procedimentos sobre o uso de precatórios. A medida afetou os planos das empresas interessadas nesse tipo de operação e gerou críticas generalizadas sobre insegurança jurídica.

O grupo espanhol Aena, por exemplo, que arrematou Congonhas por R$ 2,45 bilhões em agosto de 2022, pediu à Anac para pagar a metade da outorga com precatórios. O contrato de concessão já foi assinado, inclusive, mas para ter eficácia é preciso que a Anac aceite.

O GLOBO

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *